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O desafio de conciliar o trabalho na academia e a maternidade

Grupo de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Campinas investiga o impacto dos filhos na carreira científica de mulheres

A despeito dos movimentos feministas e das diversas iniciativas relacionadas à igualdade de gênero, ainda hoje as mulheres continuam a ter mais responsabilidades em relação às tarefas domésticas e ao cuidado com os filhos do que os homens, um contexto que foi agravado pela pandemia. Esta situação não é diferente no ambiente acadêmico onde as mulheres, pressionadas a ter alta produtividade, enfrentam preconceitos e cobranças quando têm que se dividir entre os papéis de mãe e de acadêmica, sejam elas docentes, pesquisadoras ou alunas. Esta é uma das temáticas que têm motivado o Grupo de pesquisa Psicologia da Saúde e Desenvolvimento da Criança e do Adolescente, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Campinas. pesquisadora Letícia Lovato Dellazzana-Zanon, juntamente com as alunas do segundo ano do curso de Psicologia, Marcela Pereira de Sousa e Lidiane dos Santos Souza e a docente e pesquisadora da área de comunicação social, Ângela Lovato Dellazzana, apresentaram o vídeo-pôster “Maternidade acadêmica, pandemia e seus desdobramentos: uma revisão narrativa” no III Simpósio Brasileiro sore Maternidade e Ciência, que aconteceu entre os dias 06 e 10 de dezembro. Em formato virtual, a terceira edição do evento é parte do movimento Parent in Science, que tem objetivo de discutir o impacto dos filhos na carreira científica de mulheres e homens e o qual a professora Letícia acompanha desde o início. “Eu me interessei pela iniciativa porque sinto na pele o impacto da chegada dos filhos na carreira acadêmica. Tive meu primeiro filho no último ano do doutorado. Minha filha nasceu no meu primeiro ano como docente e pesquisadora da PUC. E agora, durante a pandemia, eu tive meu terceiro filho”, contou Letícia.

Escolhas

A produtividade é algo muito presente na carreira acadêmica, medida pelo número de artigos publicados, projetos, número de orientações etc. “Quanto mais produzimos, mais publicamos, quanto mais publicamos, mais ganhamos editais, novos projetos, enfim adquirimos visibilidade”, explica a professora da PUC-Campinas. No entanto, quando se tornam mães, as mulheres reduzem o tempo dedicado à pesquisa e por conta do cuidado com os filhos. Esta situação pode fazer com que elas se sintam culpadas por não atingir as expectativas desses dois papéis. “Por conta destas pressões, muitas mulheres adiam a maternidade”, acrescenta Letícia. Mesmo assim, as cobranças não diminuem.

O grupo de pesquisa fez um levantamento em artigos sobre o tema da maternidade na carreira acadêmica e um dos resultados indicou que as mulheres pensam muito sobre o momento mais adequado para engravidar ao longo do ano letivo para impactar menos na carreira acadêmica. Outro resultado refere-se ao número de filhos: “Além disso, muitas pesquisadoras se mostraram mais seguras tendo um ou dois filhos porque, mais do que isso, aumentaria o julgamento das pessoas acerca do seu compromisso com o trabalho”, relata a aluna da PUC-Campinas, Lidiane dos Santos Souza.

Os resultados do estudo mostraram que a maternidade é uma realidade que acaba ficando em segundo plano nas escolhas destas mulheres. Ela é planejada de modo que possa ser moldada pelas imposições da carreira acadêmica. “É comum as mulheres não respeitarem o período da licença maternidade já que elas precisam continuar produzindo e são cobradas por isso”, explica Marcela Sousa, aluna que também compõe o grupo de pesquisa da Profa. Dra. Letícia Lovato Dellazzana-Zanon.

O isolamento social causado pela pandemia fez com a dinâmica familiar fosse alterada principalmente nas famílias com filhos pequenos. Os resultados do estudo indicaram que, no caso das pesquisadoras, este contexto acabou por revelar uma diferença no volume da produção científica de pesquisadores e pesquisadoras. A suspensão da rede de apoio que inclui creches e babás fez com que mães pesquisadoras dedicassem mais tempo para educação de seus filhos em casa e para realização de tarefas domésticas, em detrimento da produção de artigos científicos. Com as crianças em casa, as mães acadêmicas assumiram o papel de cuidador integral dos filhos. De acordo com o estudo realizado pelas pesquisadoras, muitas mães passaram a relatar sentimentos como desconforto, tristeza e ansiedade pela falta de suporte emocional.

Silenciamento

Outro resultado do estudo foi que há também um tipo de silenciamento materno pois falar sobre as dificuldades do maternar ou sobre filhos não é bem-visto na academia. A pesquisadora passa a ser vista pelos colegas como uma profissional não compromissada com o trabalho ou como alguém que utiliza o tempo gasto com os filhos como desculpa pela baixa produtividade. “Esse trabalho me permitiu perceber como essas mulheres, mães e pesquisadoras são invisíveis nos espaços acadêmicos”, conta Lidiane dos Santos Souza. Segundo ela, é comum que o período de licença maternidade seja desrespeitado por algumas mulheres por medo de perder oportunidades e até mesmo o emprego. “Como psicóloga e pesquisadora, acho fundamental estar presente na vida das crianças, especialmente na primeira infância. É urgente a adoção de políticas por parte das universidades que apoiem estas pesquisadoras que se tornaram mães. Este tema merece mais pesquisas para que a academia se torne um espaço mais acolhedor para as pesquisadoras que também são mães”, destaca Letícia.

Segundo ela, o movimento Parent in Science trouxe impactos positivos no sentido de pensar em editais em formatos diferentes para mulheres que têm filhos pequenos ou mesmo para rever regras em concursos no âmbito da carreira acadêmica. Várias universidades estão criando política para dar suporte para alunas, docentes e pesquisadoras que se tornam mães, mas isso ainda é incipiente no Brasil. “Isso pode minimizar estes afetos negativos causados por esta sensação de que temos que ficar divididas entre o papel de boas mães e boas profissionais: nosso estudo é um primeiro passo nesse sentido, esperamos poder contribuir de alguma forma ao dar luz a essa questão”, finaliza a pesquisadora da PUC.

Por Patricia Mariuzzo



Marcelo Andriotti
12 de dezembro de 2021