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Tese da PUC-Campinas analisa pressão sobre jovens que sonham ser jogadores de futebol

Para muitas crianças e jovens, essa é uma das poucas saídas para escapar da miséria

A Dra. Ana Rangel Kopanakis defendeu no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Campinas uma tese sobre o sonho de adolescentes em se tornarem jogadores profissionais de futebol. Um sonho que, na maioria das vezes, se transforma em frustração e traumas. Para muitas crianças e jovens, essa é uma das poucas saídas para escapar da miséria e ajudar seus familiares a superarem a pobreza.

A pesquisa contou com 22 participantes, com idades entre 17 e 20 anos de idade, todos integrantes de uma equipe sub-20 de futebol de formação. A participação na pesquisa se deu por meio da produção de desenhos-estórias produzidos durante sessão de atendimento grupal. A pesquisadora falou sobre os resultados de seus estudos, de propostas para diminuir os traumas e a intenção de continuar a pesquisa e expandir os estudos para o futebol feminino.

Um dos temas que aborda em sua pesquisa é a questão econômica, de superação da pobreza. Como poucas crianças conseguem sucesso, esse sonho pode se tornar um pesadelo para elas?

Muitas crianças brasileiras possuem o sonho de se tornarem futebolistas profissionais, objetivando o acesso a melhores condições de vida, já que este é um trabalho glamourizado na nossa sociedade. Contudo, são poucos os jovens que ingressam em clubes de formação no futebol e que conseguem avançar até se profissionalizarem. Por essa razão, a entrada em um clube de formação esportiva deve conferir uma gama de recursos e atividades formadoras que proporcionem a esses jovens uma formação ampliada, robusta e de qualidade, que vá além unicamente do mérito esportivo. Desse modo o envolvimento com o esporte acaba sendo positivo na vida do jovem. Outro ponto a ser destacado é que a partir da inserção em clubes formadores, muitos jovens e famílias acabam contando com um serviço psicossocial especializado que pode contribuir muito com trabalhos voltados a necessidades do organismo familiar.

Outra abordagem foi a questão da falsa meritocracia. Como isso funciona?

O imaginário de que o esforço, puramente isolado, resulta obrigatoriamente em sucesso profissional, não corresponde à realidade humana. No Brasil existem crianças que sonham em serem jogadores de futebol profissionais, que podem se esforçar muito, mas não terão aptidões para adentrar nesse contexto laboral. O esforço é importante, um diferencial, certamente, contudo o ponto crucial é propor a sociedade um olhar mais condizente com a realidade, sobretudo quando esses aspectos envolvem sonhos e a vida de crianças. O esporte pode e deve ser uma prática saudável, inclusiva e brincante na infância.

Há uma pressão muito grande sobre crianças e adolescentes, não só na área esportiva, para obter sucesso e ser sempre competitivo em todas as áreas em nossa sociedade?

O futebol profissional é uma das poucas atividades laborais que seleciona e insere crianças e adolescentes de forma precoce em processos de formação profissionalizante. Existem, portanto, algumas peculiaridades nesse contexto. O mercado de trabalho é, em si mesmo, voraz e competitivo, o que nos leva a necessidade de realizar reflexões importantes a respeito do seu impacto na vida de todas as pessoas.

Como costuma ser o comportamento das famílias desses aspirantes a jogadores?

De acordo com minha experiência profissional existem muitos casos em que a família exige e pressiona o jovem a alcançar êxito no futebol, pretendendo o acesso ao universo do futebol profissional e bem remunerado. Essa experiência causa sofrimento emocional a criança e ao adolescente e precisa ser cada vez mais vista e problematizada.

E a questão do machismo, como ela funciona nesse meio?

Ser mulher e trabalhar no futebol é constatar que esse é um ambiente permeado por culturas machistas. Destacamos que durante muito tempo o futebol de mulheres foi proibido no Brasil, o que retrata bem a compreensão de que esse é um ambiente hostil a figura da mulher. Porém, essa realidade tem sofrido transformações substanciais. Hoje o futebol de mulheres tem evoluído substancialmente, encontramos mulheres trabalhando em equipes de futebol masculino e o tema do machismo no futebol tem sido debatido no âmbito da formação esportiva e das práticas voltadas ao contexto do futebol como um todo.

Você propõe formas de trabalhar com essas crianças e adolescentes de forma adequada para atenuar o sofrimento e decepção que o processo pode causar?
A inserção no mundo esportivo não deve causar sofrimento à crianças e adolescentes. Trata-se de uma prática que deve advir de ganhos para esses jovens, possibilidade de autoconhecimento, integração, sociabilidade, desenvolvimento de capacidades humanas e esportivas e ter uma dimensão brincante. O envolvimento com o esporte pode ser maravilhoso desde que bem planejado e orientado com responsabilidade no que tange tudo o que envolve o contexto infanto-juvenil. Nesse sentido é demasiadamente importante a presença do trabalho de profissionais como psicólogos, assistentes sociais e pedagogos no ambiente de formação futebolística, para garantirem direitos, proporem praticas educacionais de qualidade e realizarem trabalhos voltados a integração emocional.

Tem planos de continuar a pesquisa? Pensou em estudar também esse mesmo processo no futebol feminino?

Sim. Durante o período do doutoramento produzimos um estudo na mesma perspectiva sobre o futebol feminino, intitulado “ Impedimentos no País do Futebol” a ser encontrado na Revista Estudos Feministas Volume 29. Ainda assim, existe a pretensão de seguir com os estudos no futebol feminino e masculino.



Marcelo Andriotti
26 de junho de 2023