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O turismo nunca mais será o mesmo depois do coronavírus

Um dos mais afetados pela crise, setor deve passar por mudanças no cenário pós-pandemia

Em abril deste ano, o Copacabana Palace, um dos hotéis mais famosos do mundo e um dos ícones do Rio de Janeiro, fechou suas portas pela primeira vez em 97 anos. Assim como ele, milhares de pousadas, restaurantes, museus e pontos turísticos estão com as atividades paralisadas, boa parte deles sem previsão de retorno. Qual o futuro de uma atividade que se baseia em deslocamento, em mobilidade e nos fluxos terrestre, aéreo e marítimo de pessoas? Essa é a pergunta que milhares de profissionais ligados ao turismo estão fazendo, setor que foi um dos primeiros a serem fortemente afetados pela pandemia de coronavírus.
“Cinemas, teatros, o entretenimento em geral, eventos, bares e restaurantes, hotéis, transportes, enfim, todos os segmentos que fazem parte do trade turístico tiveram uma queda forte na crise sanitária e terão uma recuperação lenta”, acredita a professora da Faculdade de Turismo da PUC-Campinas, Ana Maria Fernandes.
Segundo a Organização Mundial de Turismo (OMT), no ano de 2019, o turismo teve 4% de crescimento mundial e registrou 1,5 bilhão de chegadas em destinações mundiais. Em países como Itália, Espanha e Grécia, que estão entre os mais visitados do mundo, o setor representa um quinto do PIB. No entanto, em um cenário único na história das viagens e do turismo, 100% dos destinos turísticos do mundo paralisaram suas atividades, segundo um balanço da OMT. Conforme a evolução das restrições de viagens nos próximos meses, a chegada de turistas internacionais poderá cair entre 60% e 80% em 2020. Como é um setor que emprega muita mão de obra, milhares de postos de trabalho estão ameaçados. Ainda segundo a Organização, grupos mais vulneráveis da população, como mulheres e jovens serão particularmente afetados.
A OMT tem buscado algumas soluções para a crise. Uma das sugestões do secretário geral da Organização, Zurab Pololikashvili, é destinar 25% do fundo de emergência da União Europeia para ajudar o setor a se recuperar. “De fato, há um movimento na OMT de buscar soluções para a crise. A Organização vem promovendo desafios para profissionais de turismo de todo o mundo para discutir como a inovação e quais outras soluções podem contribuir para mitigar os impactos da covid-19 no turismo, por exemplo”, conta a professora da PUC. No último dia 12 de maio, foi lançado o Pacote de Assistência Técnica para Recuperação de Turismo Covid-19 para apoiar governos, setor privado e agências de apoio ao setor. No documento, há sugestões de eixos com potencial de intervenção para acelerar a recuperação do turismo, por exemplo, o promocional, por meio da diversificação de produtos e (re)formulação de estratégias de marketing e atividades promocionais.
O Ministério do Turismo brasileiro tem facilitado empréstimos para o setor por meio do Fungetur (Fundo Geral do Turismo). Um total de R$ 5 bilhões foi destinado a esse fundo, recursos que poderão ser acessados via instituições financeiras pelas empresas cadastradas no Cadastur do Ministério. Segundo informações do Ministério, a ideia é que 80% desse valor seja destinado às micro, pequenas e médias empresas.
Em outra ação, em parceria com a Confederação Nacional dos Municípios, o Ministério desenvolve a campanha “Não cancele, remarque!”, que busca incentivar que os turistas adiem viagens e pacotes contratados. No entanto, essas medidas ainda não surtiram efeito, na opinião de Ana Fernandes: “Embora o governo tenha divulgado essas medidas, as empresas ainda não conseguiram a ajuda efetiva, sobretudo as agências de viagem. Neste cenário, somente aquelas empresas mais estruturadas financeiramente, que possuem capital em caixa, vão conseguir se manter pós-crise. Muitas já abriram falência”, relata.
O destino do turismo
O cenário pós-crise deve trazer ainda mudanças estruturais nesse setor. O turismo não será mais o mesmo em vários sentidos. “Acredito que ainda seja muito cedo para falar em tendências ou para fazer previsões. Estamos no meio de um processo dinâmico e cheio de incertezas. De todo modo, o que me parece mais óbvio é que as primeiras viagens serão para destinos mais próximos, em carros particulares, para cidades vizinhas, por exemplo, em um entorno de 100 a 150 km”, disse Fernandes. “No entanto, em um longo prazo, as viagens mais longas devem voltar a acontecer, porque há uma demanda reprimida. Aqueles consumidores que não tiverem a sua renda muito afetada pós-crise devem dar uma forte injeção nesse setor”, acredita.
Ainda na opinião da professora da PUC, nessa retomada pode haver uma maior valorização do profissional de turismo como resultado de sua atuação neste momento de crise. “O papel desse profissional tem sido fundamental na resolução de problemas. Eu conheço diversos profissionais do mercado que estão trabalhando arduamente, todos os dias, pelos seus passageiros, pesquisando voos, atuando diretamente juntos às companhias aéreas, junto aos consulados para repatriarem seus passageiros. Em um cenário de forte concorrência com inúmeras plataformas de vendas de produtos e serviços turísticos on-line, os agentes de viagem têm feito a diferença para os viajantes, afirma Fernandes.
E como serão essas viagens? Como frequentar hotéis, praias, piscinas, ônibus de turismo, aviões? Algumas companhias aéreas já estão solicitando o uso de máscaras pelos passageiros durante os voos. Já se cogita solicitar atestados de imunidade e medição de temperatura para todos os viajantes. Além disso, intensifica-se a busca por soluções inovadoras para o setor, com emprego de biometria, reconhecimento facial e pela íris dos olhos para a realização do check-in de forma digital nos hotéis, por exemplo. Indo mais longe, já se fala na utilização de robôs e máquinas para a limpeza.
A professora da PUC, no entanto, aponta que as mudanças devem ir além das medidas sanitárias. “Sair pelo mundo novamente é uma ideia que nos encanta mais do que nunca: encontrar pessoas, ver novas paisagens, vivenciar experiências únicas, experimentar novos sabores. Por isso, creio que teremos um novo turismo e um novo turista, não somente pelos protocolos de segurança sanitária, mas sobretudo pela mentalidade de vivenciar realmente os destinos”, pontua.
Fernandes acredita em uma ressignificação da experiência de viajar. “Talvez o ‘fast-food cultural’ proposto pelos pacotes de viagens de 15 dias por 10 países com uma fruição vazia de significados dê lugar a um ‘slow tourism’, uma vez que poderemos nos deslocar aos poucos, primeiro para locais mais próximos, com menos aglomerações e por menos tempo, ao menos no início. Penso que não mudaremos somente a nossa relação com as viagens para lugares mais distantes, mas também a relação com a nossa própria cidade, com o nosso entorno. Talvez possamos ser turistas em nossas próprias cidades, aproveitando para explorar e conhecer melhor onde, muitas vezes, só passamos com pressa e sem olhar à nossa volta”, finaliza.
Por Patricia Mariuzzo



Avelino Souza
15 de maio de 2020