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Cíceras, Marias, Joãos, Jairs, Elisângelas, Zenildos, Glórias. Eles vieram de muitos “brasis”, como das regiões Norte, Nordeste e do Estado de Minas Gerais, mas vivem em São Paulo há pelo menos vinte anos. Esse é o enredo que liga as histórias desses colaboradores da PUC-Campinas, os primeiros participantes do projeto de capacitação de funcionários, criado em setembro de 2016 pela Pró-Reitoria de Administração, por meio da Divisão de Recursos Humanos, com apoio da Pró-Reitoria de Graduação e do Colégio de Aplicação PIO XII. O objetivo do projeto é promover a autonomia dos trabalhadores da Universidade por meio da retomada dos estudos.

Por Amanda Cotrim

No mundo em que Cícera Lopes Freire cresceu, ela não teve oportunidade de conhecer muitas palavras, de frequentar escola e de ter o caderno como seu objeto do cotidiano. Em seu mundo parcimonioso, não havia condições para que ela estudasse. “Perdi minha mãe muito cedo. Eu chegava da escola, colocava o caderno no canto e ia para a rua. Estudei até a segunda série. Quando soube do projeto da PUC-Campinas de alfabetização dos funcionários, aceitei sem pensar. É muito ruim ficar no escuro”, conta Cícera, que trabalha no Departamento de Serviços Gerais (DSG) da Universidade há três anos.

Iniciativa envolveu Proad, DRH, Prograd e Colégio PIO XII/ Crédito: Álvaro Jr.

Iniciativa envolveu Proad, DRH, Prograd e Colégio PIO XII/ Crédito: Álvaro Jr.

Para quem sabe ler e escrever, talvez seja difícil compreender a metáfora do “escuro” usada por Cícera, mas a analogia é essa mesma, um passo rumo à liberdade, como pontua João Evangelista Barbosa: “Eu não quero mais ficar perguntando tudo para todo o mundo. Eu quero ler”, diz ele, de forma convicta. João trabalha na Universidade há 17 anos, também no DSG, e se emociona ao falar que o projeto chegou na hora certa. “Eu nunca consegui voltar a estudar porque nunca dava tempo. Agora eu consigo”. E continua. “Aqui na PUC-Campinas é muito bom porque a professora começou desde o início. Ninguém tira sarro um do outro. Todos se ajudam”, destaca.

“Eu também não sei ler. Parei na segunda série”, se apresenta Jair Pereira Alves, colaborador da PUC-Campinas há seis anos. Ele conta que antes de trabalhar na Universidade, não tinha condições de estudar porque não podia deixar de trabalhar e nem se negar a fazer horas extras. “Toda empresa, na maioria das vezes, não quer saber se o funcionário tem outras atividades ou se faz outras coisas além de trabalhar, o que interessa é o lucro. Na PUC-Campinas, não; aqui temos a oportunidade de voltar a estudar durante a nossa jornada de trabalho, algo maravilhoso que chegou na hora certa”, vibra Jair, funcionário no DSG.

A primeira turma do projeto de alfabetização da PUC-Campinas conta com 16 participantes. Funcionários do Campus I e II têm aulas as segundas e sextas-feiras, das 13h30 às 15h10, no Laboratório de Pedagogia, no Campus I. O Coordenador da Divisão de Recursos Humanos da Universidade, Lucas Couceiro Ferreira de Camargo, explica que desde o inicio foi uma preocupação da Instituição facilitar ao máximo a participação dos colaboradores. “Tivemos apoio e empenho imediatos dos gestores para incentivá-los a participarem do projeto, o que foi muito importante para sua criação e continuidade”, destaca.

“A Universidade, dando essa oportunidade de a gente estudar durante o nosso expediente, é excelente, porque eu saio da PUC-Campinas às 17h e chego de ônibus, a Monte Mor, uma distância de 30 quilômetros, perto das 20h. Como eu ia estudar? Com essa oportunidade, não podemos desperdiçar”, defende Zenildo Donato, de 49 anos. “Não tive como estudar no passado. Já tá tarde, mas a esperança nunca acaba”, ri vagarosamente.

Ensinar é um ato de cidadania

“A sala é bem heterogênea, não estão todos no mesmo nível. E isso é importante para o crescimento da turma, porque um que tem menos dificuldade pode auxiliar o outro”, explica a professora Michele Amatucci.

A docente, que leciona no Colégio de Aplicação PIO XII, conta que quando os funcionários começaram no projeto, a frase mais comum que eles diziam era “Eu não consigo”. Hoje, eles dizem “Eu não consigo ainda”, uma mudança de perspectiva sobre o aprendizado, segundo Michele.  “Nada é do dia para a noite. É preciso se esforçar para que um pouco de cada vez aconteça. Eles precisam acreditar mais neles. Todos são capazes e estão se ajudando muito”, considera.

João Evangelista Barbosa trabalha na Universidade há 17 anos “Eu nunca tinha conseguido voltar a estudar”. / Crédito: Álvaro Jr.

João Evangelista Barbosa trabalha na Universidade há 17 anos / Crédito: Álvaro Jr.

O projeto de alfabetização da PUC-Campinas tem a aprovação dos participantes, que  não se cansam de elogiar a professora Michele Amatucci. “Estamos aprendendo muito com ela, que explica maravilhosamente bem. Eu mesma estou lendo que é uma beleza”, diz às gargalhadas Elisângela Souza Lima, que está há 11 anos no Departamento de Serviços Gerais, no Campus II. “A oportunidade que não tivermos de pequeno, estamos tendo agora”, acrescenta.

 A família também ajuda nesse ato de ensinar, como faz o filho de 14 anos da Conceição Bezerra. “Eu venho para as aulas com vontade. Chego em casa, mostro meu caderno para o meu filho, e ele me ajuda a estudar”, conta ela que trabalha há 17 anos como auxiliar de limpeza, do Campus II.

Preconceito 

Há muitos desafios a serem enfrentados quando não se sabe ler e escrever, mas o principal deles e o mais comum, segundo os participantes do projeto, é o preconceito.

“A pior coisa é chegar num mercado ou num banco, ter que preencher uma ficha e não conseguir, pedir para os outros e ninguém querer ajudar você. Há muito preconceito na sociedade”, critica Maria Celia de Jesus Nogueira, de 49 anos.

Para Maria, não há limites para o aprendizado. Foi o desejo quase incontrolável pelo saber que a fez participar do projeto de alfabetização da PUC-Campinas. Ela trabalha na Universidade há oito anos como auxiliar de limpeza no Campus II. Maria gosta muito do que faz, mas quer tentar outras experiências. Por isso, participou de um processo seletivo interno na Universidade, mas não conseguiu a vaga, porque era preciso ter o segundo grau completo. “Eu gosto do que eu faço, mas se eu conseguir dar um passo maior, vou aproveitar. Eu sei bem pouco, então eu quero estudar porque no próximo processo seletivo que tiver na PUC-Campinas, eu vou participar e vou conseguir”, aposta.

Colaboradores frequentam aulas durante expediente/ Crédito: Álvaro Jr.

Colaboradores frequentam aulas durante expediente/ Crédito: Álvaro Jr.

Assim como Maria, todos têm sonhos e objetivos. Para Jair Pereira Alves, por exemplo, aprender a ler e a escrever é ter uma chance de se livrar dos grandes perigos do cotidiano. “Uma vez cheguei perto de uma placa que dizia que era proibido avançar porque quem ultrapassasse a margem poderia morrer eletrocutado. Eu não sabia o que estava escrito e fui em direção à placa. Quase morri porque não sabia ler. Não saber ler é a mesma coisa que estar no escuro”, compara.  “Agora eu quero estudar e ser advogado”, projeta Jair.

Para a Coordenadora Especial de Licenciatura, da Pró-Reitoria de Graduação da PUC-Campinas, Professora Eliana Das Neves Areas, o trabalho de letramento e alfabetização amplia as relações intra e interpessoais e desenvolve uma melhor qualidade de vida para os participantes. “Com este projeto, a Universidade atende seus objetivos educacionais e a sua função social, contribuindo para a melhoria do nível de escolaridade dos funcionários, incentivando-os a prosseguir seus estudos e, assim, promover o desenvolvimento pessoal, intelectual e profissional”, ressalta.

Ninguém pretende parar 

Quando perguntados se eles pretendiam continuar os estudos, a resposta foi unânime. Todos querem aprender mais e mais, seja participando do projeto da PUC-Campinas, seja se matriculando no Ensino de Jovens e Adultos (EJA). O desejo pelo aprendizado e pelo conhecimento parece ter contaminado a todos e ter se tornado, por fim, um ato de resistência: “Eu pretendo continuar os estudos e sair do escuro”, finaliza Cícera.



Amanda Cotrim
7 de outubro de 2016