
ECA 35 anos: Com foco na vivência plena de crianças e adolescentes PUC-Campinas dá início à campanha “Direito Não é Brinquedo”
Ação que celebra os 35 anos do ECA propõe um mergulho na filosofia do Estatuto e defende que a garantia de direitos transcende a lei
Para marcar os 35 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com uma reflexão que vai além do texto da lei, a PUC-Campinas deu início às atividades da campanha “Direito Não é Brinquedo: Vamos Brincar de ECA”. Liderada pelo Programa de Desenvolvimento Humano e Integral: Levanta-te e Anda (PDHI:LA) e pela Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), a ação busca debater a importância da vivência plena dos direitos na infância, utilizando o brincar como principal ferramenta de diálogo e cidadania.
A iniciativa visa ultrapassar o marco comemorativo e promover um convite à sociedade para manter viva a luta que, longe de estar terminada, exige vigilância e engajamento constantes. A Campanha cumpre a função vital de deixar o tema em evidência, objetivando mobilizar a sociedade para que a discussão permaneça no ideário coletivo.
Criança como sujeito de direitos: o histórico do ECA
Para compreender a importância da Campanha, é preciso revisitar a revolução que o ECA representa. Antes dele, vigorava o Código de Menores, que enxergava a criança apenas sob um prisma negativo: nesta legislação o “menor em situação irregular”, dizia respeito à pessoa com menos de 18 anos de idade que se encontrava abandonado materialmente, vítima de maus-tratos, em perigo moral, desassistido juridicamente, com desvio de conduta e ainda o autor da infração penal. Portanto, visibilizado pelo negativo.
O Prof. Dr. Everton Silveira, responsável pelo PDHI:LA, explicou que o ECA mudou radicalmente essa perspectiva, pois, a criança passou a ser vista e concebida como sujeito de direitos, com potencialidades e peculiaridades que devem ser protegidas por uma Rede de Proteção Integral. “Com o ECA toda criança e todo adolescente, independente da sua condição social, passa a ter os mesmos direitos perante a lei, inclusive o direito à vida. O ECA constitui uma mudança histórica, cultural, na forma de nos relacionarmos, de olhar e concebermos esta criança, a partir da perspectiva inalienável do respeito”.
Essa mudança histórica e cultural, no entanto, não se consolida apenas com a letra da lei. “O ECA ainda está engatinhando, recém-começando um processo de profunda lesão social, de reconhecimento. É uma mudança de paradigma e essa mudança é muito recente”, contextualizou. E por ser uma novidade para a sociedade, a Campanha se faz tão relevante. “As crianças e os adolescentes não conseguem se defender por si só, sozinhas, até porque suas vozes ainda são pouco ouvidas na sociedade. Por isso retomar a questão, entendendo que ao promover que esta criança tenha condição de ser inteira, com garantias de um pleno desenvolvimento, identidade, espaços, oportunidades para hoje, é semear um futuro para um adulto realizado”. E o Professor, ainda completou: “Como diz Gabriela Mistral: ‘Somos culpados de muitos erros e muitas falhas, mas nosso pior crime é abandonar as crianças, desprezando a fonte da vida. Muitas das coisas que precisamos podem esperar. A criança não pode. É exatamente agora que seus ossos estão se formando, seu sangue é produzido, e seus sentidos estão se desenvolvendo. Para ela não podemos responder “Amanhã”. Seu nome é hoje’. Por isso, precisamos manter vivo o processo de consolidação do ECA enquanto uma possibilidade sadia de desenvolvimento”, concluiu.
O alerta pelo brincar: o direito na vivência plena
Se a lei é um ponto de partida, onde acontece a verdadeira garantia dos direitos? Para o Prof. Dr. Everton Silveira, a resposta é clara. “O direito positivado em lei não é a garantia de que as crianças e os adolescentes mudaram de condição dentro da nossa sociedade. Ela é um recurso, um instrumento, um recurso que é potente, imponente, importante, mas é um recurso. Ela não é a garantia em si. A garantia em si acontece no dia a dia. Ela acontece na vivência plena”, afirmou.
É para alertar sobre essa “vivência plena” que a campanha escolheu seu principal veículo: o brincar. A iniciativa propõe um alerta genuíno, entendendo que o ato de brincar é a linguagem primordial da infância. É por meio do manuseio de um brinquedo, da imersão no lúdico e da aprendizagem pelo concreto que a criança se socializa, se constitui e se transforma. O direito ao brincar, portanto, é a porta de entrada para uma série de outros direitos fundamentais. “O mote da campanha é esse, o brincar para a criança é algo fundamental para o seu pleno desenvolvimento. Portanto, o direito não é brinquedo, e, sendo necessidade, tem que ser discutido pelo adulto e pela criança”, completou o Prof. Dr. Everton Silveira.
O protagonismo da voz: a revolução de ouvir a criança
A Campanha também se aprofunda em uma das maiores transformações trazidas pelo ECA: o reconhecimento da criança como um ser dotado de voz. Historicamente, a própria palavra “infante” remete àquele “que não fala”. As crianças não eram ouvidas; suas vozes, quando proferidas, não eram validadas. Com o Estatuto, a criança passa a ser vista como “pessoa”, no singular, completa em sua “criancisse”.
E o projeto materializou esse princípio ao colocar crianças como coautoras de sua própria Campanha, em uma iniciativa inovadora. O objetivo foi buscar inspiração no vasto universo infantil para a elaboração de elementos de identidade visual, mensagens assertivas para o público e, ainda, projetar a produção de um brinquedo. A proposta situou os pequenos como verdadeiros protagonistas na construção da ação que é voltada para eles. “É ter a compreensão de que a criança é um sujeito pleno, que tem capacidade de pensamento, de posicionamento, que tem crítica. Do lugar onde ela está, da forma como ela percebe o mundo, vai poder manifestar e se ver retratada naquilo que vai ser feito para ela. Quando ouvida nesses contextos de produção de metodologias, de políticas, de didáticas, ela desenvolve um processo de autoestima, de reconhecimento, porque ela se vê naquilo que faz”, completou o Prof. Dr. Everton Silveira.
Uma luta necessária e contínua
Para o docente, iniciar esta campanha agora é também um ato de resistência. O Estatuto, ainda em processo de arraigamento cultural, sofre constantes ataques, seja em debates sobre a redução da maioridade penal ou em discursos que romantizam um passado de obediência imposta pela violência.
Assim, a campanha “Direito Não é Brinquedo: Vamos Brincar de ECA” se firma como uma ferramenta viva de cidadania. É a PUC-Campinas, em sua missão social, usando o conhecimento e a sensibilidade para defender que o direito não é privilégio, é necessidade. E que o pleno desenvolvimento de cada criança é o alicerce para uma sociedade mais justa para todos.

