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Os ataques às bases policiais no Estado de São Paulo, aos policiais isoladamente, aos serviços prestados à população em geral, como os ônibus, estações de metrô e agências bancárias, não foram decididos de última hora. É evidente que foram planejados ao longo de muitos dias, com todo o cuidado que marca as ações de terrorismo que vêm caracterizando o crime organizado no Brasil. Não se comete atos de terrorismo com improviso. Por trás de um atentado, mesmo que praticados por poucas pessoas, há muitos outros comprometidos em sua preparação.

Afirmar que os ataques recentes ocorreram apenas em represália à transferência de prisioneiros do PCC para a penitenciária 2 de Presidente Venceslau, dentre eles Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, um dos principais líderes da facção, é restringir suas causas. Se a polícia tivesse investigado adequadamente e se tivesse dado importância às delações de prisioneiros nas unidades prisionais, certamente essas ações terroristas poderiam ter sido evitadas ou pelo menos minimizadas. Recados foram dados pelos próprios criminosos, em rebeliões ocorridas nos últimos meses. Estas vinham sendo cada vez mais freqüentes e apontavam na direção de uma rebelião de maiores proporções.

Com é do conhecimento de todos, foi crucial para que o planejamento das ações recentes o uso de telefones celulares por parte de prisioneiros. O governo nada fez para coibi-los. Exemplos do poder de organização facilitada pelo uso desses telefones em instituições prisionais já foram fartamente demonstrados em outras ocasiões, inclusive na grande rebelião de fevereiro de 2001. Sem providências eficazes, os prisioneiros foram se articulando. Na ausência do Estado, a prevalência do crime se concretiza; neste caso, dentro das prisões.

Vejamos algumas causas do que está ocorrendo agora:

1. Não existem programas de reabilitação dos prisioneiros;

2. Não é dada importância à educação formal dos prisioneiros, que continua precária;

3. As oportunidades de trabalho dentro das prisões são limitadas. Em muitas unidades, trabalhar é um privilégio, quando deveria ser a norma;

4. Há superlotação das unidades prisionais;

5. Os prisioneiros são tratados com descaso em reivindicações simples, porém justas, para que se cumpra a pena com o mínimo de condições necessárias à dignidade humana;

6. Na medida em que o Estado tem pouco controle sobre as unidades prisionais, cresce nelas a influência das facções criminosas, ditando regras e intimidando os funcionários prisionais;

7. A inoperância e incompetência do Estado é o motivo principal do domínio das prisões por essas facções. E a redução do número de funcionários prisionais só veio a colaborar com isso, na medida em que inviabiliza maior vigilância dentro das celas;

8. O Estado nada faz para evitar que os celulares entrem e funcionem dentro das unidades prisionais;

9. A prisão ficou restrita ao caráter punitivo. O ócio, por falta de programas de reabilitação, de educação formal, de trabalho, de atendimentos terapêuticos e de outra natureza, induz o preso a se aproximar das organizações criminosas;

10. A má conservação das prisões, somada à superlotação, as transforma em ambientes fétidos, depauperados e sujeitos a vários tipos de doenças. Esse descaso provoca em quem vive nelas esse o sentimento de desvalorização, que também facilita a cooptação dessas pessoas pelo crime organizado.

É provável que a maior parte dos que promoveram esses ataques seja formada por prisioneiros contemplados pela Saída Temporária Autorizada do Dia das Mães, pois sabiam exatamente o que fazer e onde fazer. Lógico que contaram com o apoio de ex-prisioneiros, foragidos e outras pessoas ligadas à criminalidade, com as quais obtiveram armas e veículos. Mas, como disse no início, nada ocorreu sem planejamento. Afinal, tempo ocioso e meios de comunicação não faltam aos prisioneiros.

Maria de Fatima Franco dos Santos

Professora de Psicologia Forense da PUC-Campinas



Portal Puc-Campinas
15 de maio de 2006