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População carcerária no Brasil tem direitos restringidos durante pandemia do coronavírus, avalia grupo de Extensão

Trabalho analisa contexto prisional no país e sugere alternativas para o enfrentamento da covid-19; condições insalubres põem em risco agentes e detentos

As medidas adotadas para o enfrentamento do coronavírus nos presídios brasileiros, que asilam a terceira maior população carcerária do mundo, restringem ainda mais os direitos dos detentos, analisa um grupo de Extensão composto por alunos de Ciências Sociais, Serviço Social e Filosofia da PUC-Campinas. Paralelamente, as propostas efetuadas não garantem a segurança de agentes e presidiários durante a pandemia. (LEIA O TEXTO COMPLETO)

De acordo com dados de 2019 divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), o Brasil tem atualmente 748 mil pessoas encarceradas, das quais 30,92% apenas no Estado de São Paulo. A condição insalubre da maioria dos presídios que, segundo a análise do grupo de Extensão, apresentam superlotação das celas, ausência de água e dificuldade de acesso a produtos de higiene pessoal, torna esses espaços suscetíveis à proliferação de doenças. “Se já eram comuns os casos de tuberculose e outras enfermidades, imagina na covid-19? ”, questiona a Profa. Dra. Camilla Marcondes Massaro, coordenadora do grupo.

Diante dos riscos, órgãos competentes em nível federal e estadual elaboraram recomendações, notas técnicas e ofícios com o objetivo de minimizar os impactos da pandemia. As medidas mais práticas incluem o isolamento de presos recém-chegados, a criação de áreas específicas para os detentos com sintomas gripais e pertencentes ao grupo de risco, suspensão das atividades que envolvem aglomeração, incentivo às ações de higiene e readequação das visitas para assistência social, jurídica, psicológica e religiosa.

“Contudo, não há transparência suficiente, de modo que possamos assegurar que essas medidas estejam sendo de fato cumpridas, garantindo os direitos dos presos em dois aspectos: da saúde e dos vínculos sociais e familiares. Por um lado, já havia uma violação no quesito saúde, tendo em vista os problemas estruturais mencionados, somados à carência de atendimento médico. Agora há também a vulnerabilidade afetiva causada pela suspensão das visitas familiares”, diz a docente.

Para ela, além dos danos emocionais, principalmente às presas que são mães, a restrição da visita familiar implica na diminuição do acesso à alimentação e itens de higiene pessoal, levados pelas famílias devido ao fornecimento insuficiente do estado. “Assim, entendemos que as medidas até então adotadas se configuram como mais um mecanismo de punição da necropolítica”, afirma Camilla. A necropolítica, com base nos estudos das ciências humanas, diz respeito a uma política aplicada pelo estado para o controle de corpos considerados inimigos. No Brasil, boa parcela dos presos é constituída por homens, negros, jovens e com escolarização incompleta.

Como alternativa durante a pandemia, o grupo de extensão sugere a adoção de quatro medidas: o impedimento da entrada de novos presos nos pavilhões, evitando o espalhamento da doença; a revisão das prisões provisórias para que os presidiários ainda não sentenciados (30% do total) possam esperar em liberdade; liberação, através de controle eletrônico, de detentos em regime semiaberto; e testagem em massa em toda a população carcerária para impedir o espalhamento do vírus. A questão da visita familiar poderia ser solucionada com a mediação da tecnologia, tal qual o uso de plataformas para videoconferências.

Sistema prisional brasileiro e direitos humanos

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), os direitos humanos são constituídos por um conjunto de condições básicas à garantia da vida digna de todos os indivíduos da espécie humana sem que haja discriminação por raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, origem nacional ou social, meios de fortuna, nascimento ou outra condição.

Devem ser garantidos em quaisquer contextos, incluindo a população privada de liberdade, para a qual a punição ao crime cometido é o afastamento do convívio social por período judicialmente determinado, sendo que à privação de liberdade não devem ser impostos mais castigos. Porém, não é isso que se verifica na realidade concreta das unidades prisionais brasileiras, entende o  grupo de Extensão.

Em 20 anos, a população prisional no Brasil mais do que triplicou, chegando a 748 mil detentos, espalhados em presídios que suportam pouco mais de 442 mil pessoas. Segundo as estatísticas do DEPEN, 50,96% dos presos no país até dezembro de 2019 haviam sido sentenciados ou ainda aguardavam sentença por crimes contra o patrimônio, 28,28% por delitos tipificados pela lei de drogas e pouco mais de 17% por crimes contra a pessoa. As mulheres representam cerca de 5% dos presos no Brasil.

“Os crimes relacionados à lei de drogas, infrações pelas quais milhares de brasileiros cumprem pena sem oferecer perigo ou grave ameaça, como ocorre com os crimes contra a pessoa, são equiparados aos crimes hediondos, resultando em uma massa carcerária que cresce de maneira exponencial, superlotando as unidades prisionais, dificultando ações que garantam os direitos humanos no sistema prisional, e adquirem contornos ainda mais complexos num momento de pandemia”, finaliza Camilla.



Avelino Souza
29 de maio de 2020