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A questão é: eles vão substituir os jornalistas?

*Prof. Me. Marcel J. Cheida

Os robôs vieram, se instalaram e começam a invadir as redações. Várias delas já usam máquinas algorítmicas para selecionar dados e informações a fim de transformá-los em notícias. Resultados simples de medições econômicas, índices de queda ou aumento das bolsas, resultados de jogos e até notificações de crimes podem ser tratados por robôs noticiosos. A questão é: eles vão substituir os jornalistas?

A pergunta tem recorrência no passado, desde quando as primeiras máquinas foram projetadas para o trabalho de produção que, antes, era feito pelo homem. Tanto a revolução industrial como as invenções das mídias de massa, como a fotografia, o cinema, o rádio, a televisão, geraram dúvidas sobre a substituição de diversas profissões. Mas, o que ocorreu foi a adaptação, a convergência, a adequação do homem às novidades tecnológicas.

O pesquisador e professor da USP, Luli Radfather, em artigo publicado na Folha de São Paulo, elaborou o seguinte desfecho: “Seja encarada como aliada ou inimiga, a tecnologia veio para ficar. Prodígio ou bastarda, ela é nossa filha que cresceu, ganhou identidade e demanda compreensão. Rejeitá-la faz tão pouco sentido quanto adorá-la incondicionalmente. É preciso tratá-la como adulta.”

Há, entretanto, um desafio de fundo filosófico e ético na relação entre os jornalistas, robôs e o mundo dos fatos. Miguel Rodrigo Alsina, pesquisador espanhol numa obra referencial, A Construção da Notícia, observa que o noticiário não resulta apenas da combinação de informações e dados selecionados de fontes, mas, sim, de um processo de interpretação da realidade. Para tanto, a dimensão subjetiva do jornalista se torna elemento essencial, decisivo, para a elaboração noticiosa.

A aplicação de algoritmos para identificar, selecionar e ordenar dados constitui a base para a formulação de um conjunto de informações inteligível na forma de notícia. Empresas nativas digitais, como a Google ou o Facebook oferecem ferramentas de apoio na produção informativa. O projeto traz alguns limites, contudo, pois os algoritmos apresentam uma estrutura linear ou encadeada enquanto que a percepção do humano é multissensível, não-linear e nem sempre programável por lógica. O diálogo entre essas duas dimensões é o maior desafio. E, mais grave, robô é carente da dimensão subjetiva.

Os robôs conseguem identificar os dados, reorganizá-los e transformá-los em frases informativas. Ou então, reúnem notícias já publicadas em diversos sites e as selecionam e reordenam, num processo de curadoria orientada para uma leitura de conteúdo previamente filtrado. Na Suécia, a consultoria especializada em educação digital, Hyper Island, utiliza sistemas de algoritmos para escrever notícias sobre resultados de disputas esportivas e atos criminosos. Mas, ainda não conseguem desenvolver reportagens nuançadas, cuja redação depende de um olhar crítico, orientado por uma honesta subjetividade. Também o inglês The Guardian e o norte-americano Los Angeles Times, entre outros, adotaram a plataforma algorítmica.

O desenvolvimento tecnológico implica em adaptações e adequações, bem como em aprendizados daqueles que são obrigados, direta ou indiretamente, a conviver com os novos aparatos e ferramentas. Os experimentos com redes neurais tentam aproximar-se dessa condição humana, como faz o Google com projetos para ensinar os robôs a sonhar. Ou a IBM com o projeto que modela o desenvolvimento de sinapses. A web 3.0, de caráter semântico, busca criar máquinas que entendam o significado de termos e símbolos diversos e assim superar a web 2.0 que se baseia em palavras-chaves. O avanço aplicado à robótica vai permitir ampliar a forma da produção de notícias, mas ainda dependente dos programadores, editores e das limitações determinadas pelos esquemas adotados.

A jornalista Adrienne Lafrance, da revista norte-americana The Atlantic, publicada em Boston há mais de 160 anos, decidiu operar uma plataforma robótica para ensiná-la a redigir notícias. Ela reuniu um conjunto de 532.519 palavras à disposição do teste. O objetivo era o de verificar a precisão e a qualidade dos textos produzidos com base nos algoritmos. Durante dois anos, o robô Adrienne produziu textos noticiosos. O resultado foi frustrante.  A estrutura narrativa deixou a desejar.

Adrienne Lafrance, em artigo publicado na página virtual da revista, afirmou: “Tornou-se claro rapidamente que meio milhão de palavras, ou cerca de 3 MB de texto, não foram suficientes para a rede neural aprender a língua da maneira que eu esperava.”

*Marcel J. Cheida é Professor na Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas.



Eduardo Vella
5 de setembro de 2016