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"A era da internet ilimitada acabou", afirmou recentemente João Rezende, presidente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), ao tratar da restrição aos serviços de banda larga fixa, o que tornaria atividades rotineiras, como assistir um filme no Netflix ou um vídeo no YouTube, participar de jogos online ou mesmo realizar downloads de alguns arquivos, mais difíceis ao usuário. Objeto de inúmeras críticas por parte de juristas, órgãos de defesa do consumidor e, até mesmo, de manifestação da OAB, a referida restrição foi suspensa por prazo indeterminado, mas ainda está na pauta dos debates acalorados atuais. Contudo, enquanto se discute a eventual concentração de mercado ou a violação ao Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/14), em virtude da limitação da banda larga fixa, tramitam no Congresso Nacional outros projetos de leis que tem por escopo controlar o uso da internet.

 

No último dia 11 de abril, a Câmara dos Deputados divulgou o relatório final da "CPI dos Crimes Cibernéticos". A referida CPI foi instaurada para investigar a prática de crimes cibernéticos e seus efeitos deletérios na economia e sociedade brasileiras. Referido relatório propõe a criação de oito projetos de lei, dentre os quais destacamos os seguintes aspectos: a) a ampliação da atuação da polícia federal na repressão aos crimes cibernéticos –  a referida proposta inclui os crimes praticados contra ou mediante computador, conectado ou não a rede, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado ou de telecomunicação no rol das infrações de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme por parte da polícia federal; b) Acréscimo, ao Código Penal, de novas condutas criminosas – Altera a redação do art. 154-A, que já havia sido acrescentado pela “lei Carolina Dieckman”, para ampliar a abrangência do crime de invasão de dispositivo informático, apresentando descrições vagas e temerárias, que podem ocasionar dúvidas quanto à responsabilidade criminal do usuário; c) Modifica o Marco Civil da Internet, criando dispositivo específico sobre dispensa de nova ordem judicial aos provedores para remoção de conteúdo, o que pode dar margem à eventuais censuras em relação aos conteúdos publicados pelos usuários; d) Alteração do Marco Civil da Internet para realização, por ordem judicial, de bloqueio de aplicações de internet, tal como já ocorrido recentemente com o Whatsapp; e) Permite que a autoridade de investigação requisite, independentemente de autorização judicial, o endereço IP utilizado para a geração de conteúdo específico objeto de investigação criminal, mantidos por provedor de conexão ou de aplicação de internet.

 

Essas são algumas das propostas que visam aumentar o controle por parte do Estado do uso da internet no Brasil. A preocupação com a proteção da dignidade humana e todos os direitos dela decorrentes é louvável e necessária, porém, é preciso ter cautela quando se trata de restrições à privacidade e liberdade de expressão, bem como deve-se ter em mente que as limitações pretendidas precisam se coadunar com outros direitos estabelecidos na Constituição Federal, dentre os quais o direito à informação e ao desenvolvimento de uma sociedade culturalmente rica e plural.

 

Ademais, a internet padece de um vício de origem, que é a falta de controle, por mais que a legislação tente fiscalizar ou limitar a utilização das mídias digitais, visando impedir a prática de atividades ilícitas, a própria tecnologia cria subterfúgios para dificultar a punição de eventuais criminosos, tal como a denominada deep web.

 

Por fim, quando se realiza a leitura completa do relatório da CPI, que embasa os projetos de leis mencionados, é possível perceber, em diversas passagens, uma preocupação maior com o controle das informações na rede e com a exploração econômica da internet (como a referência a necessidade de bloqueio de streaming e outras tecnologias de multiplataforma, livre e de código aberto, de  compartilhamento de arquivos, cuja  finalidade é de prover uma alternativa gratuita para serviços audiovisuais; ou a necessidade de tributação e controle fiscal cada vez mais intensos dos serviços prestados na internet), do que, efetivamente, com a proteção do usuário.

 

A internet e as tecnologias de comunicação e informação, de modo geral, demandam uma reanálise sobre direitos, não apenas sob o ponto de vista jurídico, tendo em vista a interpretação da legislação correspondente conforme as diretrizes estabelecidas pela Constituição Federal vigente, mas, também, tendo em vista os avanços tecnológicos que, cada vez mais, dificultam o controle sobre as informações disponibilizadas no meio ambiente digital.

 

Christiany Pegorari Conte
Advogada. Professora da PUC-Campinas. Mestre em Direito da Sociedade da Informação. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).



Portal Puc-Campinas
2 de maio de 2016